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terça-feira, 12 de outubro de 2010

Textos de Apoio a Português

Os textos apresentados foram retirados de um blogue( muito útil e pedagógico) e servem de apoio à análise da Mensagem.
Apoio a Português
Fernando Pessoa

"Ulisses"

Trata-se de um poema da primeira parte – o Brasão – da Mensagem- colectânea de poemas de Fernando Pessoa, escrita entre 1913 e 1934, data da sua publicação. Dentro desta integra-se nos Castelos. Esta obra contém poesia de índole épico-lírica participando assim das características deste dois géneros. Relativamente à sua matriz épica devemos destacar o tom de exaltação heróica que percorre esta obra; a evocação dos perigos e dos desastres bem como a matéria histórica ali apresentada. No atinente à sua dimensão lírica, podemos destacar a forma fragmentária da obra, o tom menor, a interiorização da matéria épica, através da qual o sujeito poético se exprime.
Nesta primeira parte da obra que nos propomos analisar aborda-se a origem, a fundação, o princípio de Portugal. O título Ulisses remete-nos para a origem de Portugal como devendo-se a Ulisses, navegador errante, que depois da guerra de Tróia, teria aportado em Lisboa, fundando a Olissipo, futura Lisboa. A origem estaria portanto num mito. Ulisses é assim o primeiro herói a desfilar na obra Mensagem. Fernando Pessoa considerava que Portugal encontraria na sua alma “ a tradição dos romances de Cavalaria.... A Demanda do Santo Graal, a história da fundação de Roma.
Importa agora definirmos o que entendemos por mito – narrativa oral ou escrita, com personagens ou feitos fantasiosos, que tem por base um facto real.
Em termos formais, constatamos que o poema é constituído por três estrofes, quintilhas. Quanto à métrica esta regularidade não se constata, podendo observar-se uma variedade que se situa entre as quatro sílabas métricas e as sete. A rima predominante é a cruzada, seguindo o esquema rimático ababa /cdcdc/efefe, sendo ainda predominantemente pobre e grave. Na primeira estrofe e na última, merecem ainda destaque os encavalgamentos ou transportes do segundo para o terceiro verso, e do primeiro para o segundo respectivamente.
É ao longo deste poema, que se estrutura em três momentos lógicos, que se apresenta portanto um dos responsáveis pela origem de Portugal: Ulisses.
Na primeira estrofe que corresponde ao primeiro momento apresenta-se de forma lapidar uma tese: “ O mito é o nada que é tudo”. O mito é definido pelo sujeito poético como o nada uma vez que, dada a sua natureza, não possui consistência, nem fundamento, mas que, apesar disso, é tudo (note-se o oxímoro = a paradoxo), pois possui relevância e aceitação. O pendor para o esoterismo em Fernando Pessoa está aqui patente, na medida em que o mito é algo que oculta a verdade mas que também contribui para a sua revelação. Ele é nítido mas precisa de ser decifrado. Esta definição é concretizada nos quatro versos seguintes, a sua generalidade. O sol e Deus crucificado são também mitos (veja-se a heresia relativamente a Deus, considerando-o como um mito e não um facto histórico). O carácter paradoxal é reforçado pelas metáforas, imagens. O mito surge como um sol que abre os céus (repare-se no sentido conotativo de céus apontando para perspectivas brilhantes e ideias de heroicidade) e como um Deus que, parecendo morto, se revela aos homens como vivo (perífrase de Cristo crucificado). Nas duas expressões metafóricas enunciadas manifestam-se duas características do mito: a sua irrealidade (mudo, corpo morto) e o seu dinamismo (vivo e desnudo e abre os céus) Note-se ainda nesta última expressão a personificação. Estes dois mitos têm um valor simbólico importante. O Sol renasce todos os dias, enquanto Cristo crucificado ressuscita. Assim, um e outro são mitos ligados ao poder de redenção, de renascimento. Ao mesmo tempo a presença dos oxímoros vivo / morto, mudo/brilhante pretende transmitir o quanto de indefinível tem o mito. A presença do presente do indicativo justifica-se por estarmos diante da definição de mito, algo permanente.
Na segunda parte, correspondente à segunda estrofe, o assunto continua a ser concretizado, ou melhor particulariza-se o mito ao caso concreto de Ulisses, designado pelo deíctico “este”, reenviando-nos para o título. Alude-se neste momento à criação lendária de Lisboa, a Olissipo, por Ulisses. Mais do que o facto histórico concreto é a imaginação e o sonho que libertam energia criativa. Um povo define-se melhor pelos seus mitos do que pela sua História. Ulisses se bem que não tenha existido, foi elevado à condição de mito e foi através dele que se explicou a origem de Lisboa. Ulisses poderá assim representar a vocação marítima dos portugueses já que é do mar que chega este antepassado mítico dos portugueses. Concluindo, esta figura lendária foi suficiente para que o povo português se sentisse projectado para a grandeza que tem e poderá ainda ter. Ulisses foi o primeiro impulso para um povo que edificaria um império cuja cabeça seria Lisboa. O emprego constante dos oxímoros ou paradoxos “ foi por não ser ... existindo” e “sem existir ... nos bastou” e “ por não ter vindo .. foi vindo e nos criou” aparentemente contraditórias, na caracterização de Ulisses, exprimem o carácter contraditório do mito. O uso do pretérito perfeito nesta estrofe justifica-se pelo recuo a uma narração do nosso passado. As perifrásticas que aparecem nesta estrofe “ser existindo” e “ter vindo e foi vindo” caracterizam o processo gradual da criação de mitos e da sua acção.
Na terceira e última parte evidencia-se o estatuto criador do mito: é ele que “fecunda” a realidade, são as suas possibilidades criadoras que dão sentido ao real. Assim, o que verdadeiramente importa não é a existência real de Ulisses mas aquilo que ele representa: o futuro glorioso de Portugal só poderá concretizar-se através da vivência do mito e da energia criadora que ele liberta. Desta forma, este poema poderá ajudar a explicar os poemas seguintes da Mensagem onde os heróis fundadores, apesar da sua existência histórica feita de êxitos e fracassos, aparecem mitificados. Os dois últimos versos poderão significar que sem mito não há vida, “2a vida” (“a realidade”), que se situa “em baixo” note-se a expressão adverbial, só tem sentido quando para dentro dela “escorre” (movimento de cima para baixo) “ a lenda”; é a passagem do “nada” ao ”tudo”. As formas verbais “escorre” e “decorre” contêm o valor semântico de duração, traduzem assim a acção duradoira e persistente do mito. O regresso ao presente do indicativo coaduna-se com a conclusão: a lenda é essencial aos feitos dos grandes povos. Aliás esta conclusão é introduzida pela conjunção conclusiva “assim”.
Concluindo, o mito sendo uma força obscura, vinda dos confins do tempo, penetra a realidade presente, infiltra-se como sinal divino na vida, que desligada dessa força mágica, fica reduzida a menos que nada, “metade de nada” condenada fatalmente à morte.


"D.Dinis"
Trata-se de um poema da primeira parte – o Brasão – da Mensagem- colectânea de poemas de Fernando Pessoa, escrita entre 1913 e 1934, data da sua publicação. Dentro desta integra-se nos Castelos à semelhança do poema Ulisses. Esta obra contém poesia de índole épico-lírica participando assim das características deste dois géneros. Relativamente à sua matriz épica devemos destacar o tom de exaltação heróica que percorre esta obra; a evocação dos perigos e dos desastres bem como a matéria histórica ali apresentada. No atinente à sua dimensão lírica, podemos destacar a forma fragmentária da obra, o tom menor, a interiorização da matéria épica, através da qual sujeito poético se exprime.
Nesta primeira parte da obra que nos propomos analisar aborda-se a origem, a fundação o princípio de Portugal. O título D. Dinis remete-nos para os primórdios da nossa nacionalidade, assumindo assim o poeta a perspectiva longínqua de D. Dinis, observando no século XX à posteriori a empresa dos Descobrimentos.
Em termos formais, constatamos que o poema é constituído por duas estrofes, de cinco versos (quintilhas). Quanto ao metro e ao ritmo os versos são irregulares. O segundo verso de cada estrofe tem oito sílabas métricas, enquanto os restantes são decassilábicos. Predomina o ritmo binário, aparecendo também o ternário, no verso primeiro da segunda estrofe. A rima é sempre consoante, variando entre rica e pobre, e obedece ao seguinte esquema rimático: abaab, com rimas cruzadas, emparelhadas e interpoladas, portanto. O verso decassilábico, de ritmo largo, adequa-se à expressão de uma mensagem que traduz o meditar repousado de um poeta que é rei e vai ao leme de um povo que quer ser grande.
Ainda ao nível das sonoridades merecem destaque as assonâncias (alteração entre vogal aberta e fechada) e as aliterações em sibilantes. Esta repetição de sons produz um conjunto harmónico de versos que combinam as potencialidades do significado com o significante. D. Dinis é poeta e é o criador de condições necessárias às navegações. Surge assim num contexto verbal que enquadra esses sentidos: consubstanciando matéria épica e lírica, jogando com o tempo histórico de futuro adivinhado.
Na primeira estrofe o sujeito lírico imagina D. Dinis a compor um cantar de amigo. Eis-nos diante do rei poeta. Já no segundo verso é o lavrador que emerge. Seria dos pinhais plantados por D. Dinis que viria a madeira com a qual se construiriam as naus para os descobrimentos. D. Dinis representa a certeza adivinhada do futuro. A expressão “ ouve um silêncio múrmuro consigo”, contendo um oxímoro realça a atitude meditativa do rei que, como um rei-mago, ao escrever o seu cantar de amigo profetiza já a epopeia marítima dos portugueses. O sujeito lírico recua no tempo e escuta com o rei o rumor dos pinhais que ondulam ( metáfora de inspiração marinha).. Esta metáfora e a personificação contidas na expressão “é o rumor dos pinhais como um Trigo de Império” sugere que esse sussurrar pressentido por D. Dinis era a fala misteriosa dos pinhais que já ondulavam na imaginação do poeta “como um trigo de império”. Esta metáfora é extremamente expressiva. Os pinhais contribuiriam para permitir a expansão portuguesa e esta criaria a riqueza do nosso império. O pão é símbolo de alimentos de poder económico, sendo o trigo , as searas promessa de riqueza para um país. Este ondular invisível deixa já antever a aventura marítima e o Império que lhe está associado. Assinale-se ainda o animismo é o rumor dos pinhais. Os pinhais parecem ter linguagem e inspiram o próprio cantar do rei-poeta, porque anunciam qualquer coisa de grande, ainda envolvida em mistério. Os verbos encontram-se no presente com aspecto durativo, traduzindo acções que se prolongam no tempo, tornando a descrição mais impressionista e visualista.
Na segunda parte, mantém-se a preocupação por parte do “eu” poético de nos fazer chegar o cantar do jovem rei e o “marulho obscuro” dos seus pinhais. Tudo isto era, na perspectiva do rei, o pressentimento embora obscuro de qualquer coisa grande que estava para vir, era “o som presente desse mar futuro”. Esta ideia põe em destaque o carácter mítico deste “herói”, como uma espécie de intérprete de uma vontade superior. A mensagem deste poema centra-se sobretudo no futuro e a razão disto poderá encontrar-se a partir do que atrás ficou dito: se a perspectiva temporal é a de D. Dinis, e este rei prepara as glórias futuras da sua grei, é evidente que a mensagem do poema se centra sobretudo no futuro. Isso mesmo se confirma no texto “ O plantador de naus a haver”, Arroio, esse cantar ... e a fala dos pinhais...é som presente desse mar futuro.... O cantar de quem, dos pinhais ? Do poeta? Ou dos dois? Esse cantar era apenas um regatozinho que procurava o mar por achar. Esta metáfora exprime como os portugueses começando quase do nada foram engrossando caudal das suas forças até chegarem à Índia. O poema refere duas fases da nossa história: o ciclo terra (plantador de naus, pinhais, trigo) e o ciclo do mar (arroio, naus e mar). A terra e o mar dois pólos entre os quais se balouçou o povo português, sem nunca ter encontrado uma distância equilibrada entre os dois.
Após termos perspectivado a mensagem do tempo é mais fácil perspectivar a do espaço. Há expressões que apontam para o estreito espaço lusíada antes dos Descobrimentos “o plantador de naus ... o rumor dos pinhais... o som presente ... e a voz da terra.... É o espaço limitado dos primeiros tempos da pátria.
Mas surgem por antítese a estas, outras expressões que projectam a nação através do mundo: “como um trigo de império ... busca o Oceano por achar ... desse mar futuro, ... ansiando pelo mar...”
Relacionando o espaço e o tempo, verificamos que ao tempo futuro corresponde o alargamento do território português, a projecção da nação através dos mares.
Ao longo do poema devemos destacar as expressões que se congregam para dar a sugestão de um mistério premonitório do domínio dos mares “ na noite ... silêncio múrmuro... rumor dos pinhais, marulho obscuro. É voz presente desse mar futuro”.
De notar que o rumor dos pinhais de tal forma se insinua no cantar profético do poeta que se atribui a esse cantar o mesmo efeito que à fala dos pinhais “esse cantar busca o oceano por achar; e a fala dos pinhais é som presente desse mar futuro”.
Concluindo, este poema está imbuído de sensibilidade épica. A grandeza dos feitos de uma nação é inseparável da sua grandeza literária. Pelo que se compreende que Fernando Pessoa tenha concebido na Mensagem um super Portugal em que ele seria o super Poeta. A cultura parece desempenhar aqui um papel de importância acrescentada. Também o Quinto império será cultural.



"O Infante"
Trata-se de um poema da segunda parte – Mar Português – da Mensagem- colectânea de poemas de Fernando Pessoa, escrita entre 1913 e 1934, data da sua publicação. Esta obra contém poesia de índole épico-lírica participando assim das características deste dois géneros. Relativamente à sua matriz épica devemos destacar o tom de exaltação heróica que percorre esta obra; a evocação dos perigos e dos desastres bem como a matéria histórica ali apresentada. No atinente à sua dimensão lírica, podemos destacar a forma fragmentária da obra, o tom menor, a interiorização da matéria épica, através da qual sujeito poético se exprime.
Nesta segunda parte da obra que nos propomos analisar abordam-se o esforço heróico na luta contra o Mar e a ânsia do Desconhecido. Aqui merecem especial atenção os navegadores que percorreram o mar em busca da imortalidade, cumprindo um dever individual e pátrio (realização terrestre de uma missão transcendente)
Em termos formais, constatamos que o poema é constituído por três estrofes, de quatro versos (quadras). Quanto ao metro e ao ritmo os versos são regulares. Os versos são decassilábicos heróicos. Predomina o ritmo ternário, aparecendo também o binário. Este ritmo largamente repousado, convém a um discurso carregado de simbolismo. A rima é sempre cruzada, segundo o esquema rimático abab, cdcd, efef, permitindo que certas palavras chave do poema fiquem em posição de destaque, no fim dos versos, como nasce, uma, mundo, português, sinal, Portugal.
O poema poderá dividir-se em três partes, tendo em conta o desenvolvimento do assunto: a primeira correspondendo apenas ao primeiro verso; a segunda parte desde ali até ao final da segunda estrofe e a terceira constituída pela última estrofe. Na primeira está contido uma afirmação tripartida de tipo axiomático ou aforístico “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”. Os três termos seguem-se segundo a ordem lógica causa-efeito, associando a cada agente a sua acção. Mas sem a vontade do primeiro nenhum dos outros se concretizaria. Se Deus não quisesse, o homem e não sonharia e a obra não nasceria. O sentido aforístico da afirmação tem valor universal.: o substantivo homem refere-se ao ser humano em geral e obra designa qualquer acção humana. Note-se o uso do presente perfeitamente em consonância com o discurso axiomático.
A segunda parte poderá por sua vez subdividir-se em três momentos. A primeira subunidade diz respeito à apresentação da vontade de Deus e vai até “sagrou-te”. Deus quer a terra unida pelo mar. Note-se o projecto divino concretizado na rede semântica que aponta para essa união: uma, inteira, redonda, unisse, não separasse. Note-se o valor simbólico do verbo “sagrou-te”, sugerindo o Infante de Sagres e a escolha do Infante para uma missão divina. Além disso advém-lhe ainda grande força pelas suas conotações religiosas. O mar por sua vez é também simbólico do mistério e do desconhecido, daí o uso de expressões como “desvendando a espuma” (desfazendo o mistério). O segundo momento referir-se-á ao homem e vai até ao fim da primeira quadra. Aqui se desenvolve a ideia de que o homem sonha e põe em prática a vontade de Deus. No poema esse homem identifica-se com o Infante. Ele é o herói navegante em busca do caminho da imortalidade, cumprindo um dever individual e pátrio: a realização terrestre de uma missão transcendente. Por outro lado é também o herói em busca de um caminho de universalidade. Assim se justifica o uso do artigo definido em O Infante e o homem, com valor universalizante. O Infante é o escolhido por Deus para concretizar o seu projecto. Isto confere-lhe um carácter divino, iniciático. Ele é aquele que sonha, que tem a visão e finalmente foi “desvendando a espuma”, ou seja realizou a obra. Pelo facto de ser português, a sua escolha para desempenhar uma missão transcendente, a sua divinização, a sua sagração é também a de todos os portugueses. Nesta parte aparece ainda a passagem do mistério para a luz em palavras e expressões como “orla branca” “clareou” (sair das sombras, revelar-se) já adivinhada na “espuma”(branca) da segunda parte e que se prolongará pelo “surgir”(sair das sombras, revelar-se) e pelo azul profundo” (do mar imenso, do fundo do mistério). A terceira vai até ao final desta segunda parte e refere-se à obra e corresponde à revelação. Há no poema vários indícios de revelação “ de repente”, “surgir”, “o azul profundo” e na terceira estrofe “sinal”. A revelação é repentina, espectacular, miraculosa. Tal é sugerido pela expressão “E viu-se a terra inteira, de repente,/ surgir , redonda, do azul profundo”. Esta visão da terra sugere a ideia de que a obra dos portugueses é o realizar de um plano divino. O redondo, a esfera, é o símbolo da perfeição cósmica, da unidade, da obra completa e perfeita que Deus quis. Ao longo desta segunda parte o tempo verbal predominante é o pretérito perfeito que permite narrar os acontecimentos passados.
Na terceira parte transpõe-se para o povo a glória do Infante. A conclusão é nítida – o povo português foi o eleito por Deus para esta façanha. Nesta estrofe temos um novo esquema hegeliano: o sonho cumpriu-se (tese), desfez-se (antítese) e deu lugar a um novo sonho (síntese). Este esquema dialéctico cíclico impõe o nascimento de um novo sonho, mas tal só se pode verificar se “ o Senhor” corresponder ao apelo que lhe é dirigido na frase exclamativa e em forma de vocativo “Senhor, falta cumprir-se Portugal!”. Teríamos assim uma nova vontade divina, um novo sonho e uma nova acção. Esta interpelação confere ao poema um pendor dramático, atendendo também em parte à tensão emocional da segunda estrofe com o surgimento mágico quase da terra redonda. Há aqui portanto um diálogo implícito entre o sujeito poético e Deus, o que acentua o carácter messiânico e misterioso do poema. Regressa-se nesta estrofe novamente ao presente o que se adequa à sucessão presente-passado-presente da dinâmica hegeliana. Após a primeira aventura gloriosa, sobreveio o desânimo. Por isso, é necessário o apelo em que o verbo falta acentua a urgência. Este último verso associado a todos os outros elementos simbólicos dá ao poema características simbolistas. O último verso sugere mais do que aquilo que afirma. Além disso os versos são curtos, estando também assim dentro da técnica simbolista. A afirmação deu sinal é a chave para o decifrar do mistério que já se vinha revelando desde há algum tempo

"D. Sebastião"
Trata-se de um poema da primeira parte – o Brasão – da Mensagem- colectânea de poemas de Fernando Pessoa, escrita entre 1913 e 1934, data da sua publicação. Dentro desta integra-se As Quinas. Esta obra contém poesia de índole épico-lírica participando assim das características deste dois géneros. Relativamente à sua matriz épica devemos destacar o tom de exaltação heróica que percorre esta obra; a evocação dos perigos e dos desastres bem como a matéria histórica ali apresentada. No atinente à sua dimensão lírica, podemos destacar a forma fragmentária da obra, o tom menor, a interiorização da matéria épica, através da qual sujeito poético se exprime.Nesta primeira parte da obra que nos propomos analisar aborda-se a origem, a fundação o princípio de Portugal. O título D. Sebastião remete-nos para um momento importante da nação, assumindo D. Sebastião um papel importante na decisão tomada de avançar para a conquista de África.Em termos formais, constatamos que o poema é constituído por duas estrofes, de cinco versos (quintilhas). Quanto ao metro e ao ritmo os versos são irregulares. Os versos variam entre as seis sílabas métricas, as oito e as dez. Predomina o ritmo binário, aparecendo também o ternário. A rima varia também entre consoante, que predomina e toante, variando ainda entre rica e pobre, predominando não obstante a pobre e obedece ao seguinte esquema rimático: ababb, com rimas cruzadas e emparelhadas, portanto. A alternância de ritmo possibilita a emissão de uma reflexão do próprio rei e o incitamento que dirige aos destinatários.O poema poderá dividir-se em duas partes: a primeira correspondendo à primeira estrofe e a segunda parte à segunda estrofe. Na primeira o sujeito poético faz uma autocaracterização como “louco”; na segunda faz uma apologia da loucura, um elogio, exortando a que outros dêem continuidade ao seu sonho.
Na primeira estrofe o sujeito lírico encontra a base da loucura na grandeza (a febre do além, o sonho, o ideal) que o sujeito lírico assume com orgulho. Em consequência dessa loucura, o herói encontrou a morte em Alcácer Quibir (perífrase). Apesar disto a loucura tem neste poema uma conotação positiva, já que se liga ao desejo de grandeza, à capacidade realizadora, sem a qual o homem não passa de um animal. Veja-se ainda na primeira estrofe a referência ao ser histórico “ ser que houve” que ficou na batalha de Alcácer Quibir, onde encontrou a destruição física, e a distinção deste com o ser mítico “ não o que há”, que sobreviveu pois é imortal, é a ideia-símbolo, o sonho que fecunda a realidade. Este perdura na memória colectiva como exemplo.Na segunda parte, o sujeito poético lança um repto aos destinatários, fazendo um apelo à loucura e à valorização do sonho. Deve portanto dar-se asas à loucura como força motora da acção. Trata-se de um apelo de alcance nacional e universal. Este mesmo elogio será repetido várias vezes ao longo da obra. É a referência ao mito sebastianista, força criadora, capaz de impelir a nação para a sua última fase que está aqui em questão. O repto permite aos destinatários considerarem a grandeza do rei suficiente para todos. A utopia foi e será sempre a força criadora de novos mundos quer a nível individual quer a nível colectivo. Sem ideal cai-se no viver materialista. A interrogação retórica com que termina o poema aponta precisamente para a loucura como força criativa que poderá ser canalizada para a reconstrução nacional. Sem o sonho “a loucura” o homem não se distingue do animal. É a través do sonho que o homem é capaz de seguir em frente sem temer a própria morte. Assim o homem deixará de ser um animal sadio ou reprodutor com a morte adivinhada


"Mar Português"

Trata-se de um poema da segunda parte – Mar Português – da Mensagem- colectânea de poemas de Fernando Pessoa, escrita entre 1913 e 1934, data da sua publicação. Esta obra contém poesia de índole épico-lírica participando assim das características deste dois géneros. Relativamente à sua matriz épica devemos destacar o tom de exaltação heróica que percorre esta obra; a evocação dos perigos e dos desastres bem como a matéria histórica ali apresentada. No atinente à sua dimensão lírica, podemos destacar a forma fragmentária da obra, o tom menor, a interiorização da matéria épica, através da qual sujeito poético se exprime.
Nesta segunda parte da obra que nos propomos analisar abordam-se o esforço heróico na luta contra o Mar e a ânsia do Desconhecido. Aqui merecem especial atenção os navegadores que percorreram o mar em busca da imortalidade, cumprindo um dever individual e pátrio (realização terrestre de uma missão transcendente)
Em termos formais, constatamos que o poema é constituído por duas estrofes, de seis versos (sextilhas). Quanto ao metro os versos são irregulares. Os versos são decassilábicos, octossílabos. Predomina o ritmo binário, ritmo largo, adequado, é meditação lírica, embora sobre um tema épico. A rima é emparelhada, segundo o esquema aabbcc. As palavras que rimam são, na sua maioria, palavras importantes no universo do poema (sal, Portugal, choraram, rezaram, Bojador, dor, céu, realçando a sua expressividade em conjugação com a posição final de verso ocupada.
O tema desta composição poética pode dizer-se que é a apresentação dos perigos e das glórias que o mar comporta ao povo português. Este tema desenvolve-se em duas partes.
A primeira parte é constituída pela primeira estrofe, onde o sujeito poético apresenta uma realidade épica – é a síntese da história de um povo e dos sacrifícios que suportou para poder conquistar o mar; a segunda estrofe é de carácter mais reflexivo, fazendo o sujeito poético um balanço dos referidos sacrifícios. A conclusão é que valeu a pena, pois em resultado desse sofrimento o povo português conquistou o absoluto. As aspirações infinitas dos homens conduzem-nos até este ponto. A recompensa das grandes dores são as grandes glórias.
A primeira parte inicia-se com uma apóstrofe ao mar encerrando com outra desta feita não adjectivando o mar como salgado (veja-se a expressividade deste adjectivo, enfatizando o sabor amargo do sal, mas mais amargo ainda o sofrimento que causa as lágrimas já de si também salgadas – perspectiva simbólica deste elemento), mas conferindo à estrofe e de certo modo ao poema uma espécie de circularidade. A aliteração ena labial poderá sugerir a relação necessária e fatal entre o mar e o sofrimento. Tudo começa e termina no mar. A metáfora associada à hipérbole nestes dois versos iniciais (Quanto do teu sal são lágrimas de Portugal), acentuam o sofrimento causado pelo mar no povo português. Note-se ainda a metonímia em Portugal. As frases exclamativas conferem o tom épico a esta primeira estrofe e patenteiam as vítimas que o mar fazia em terra: as mães, as noivas e os filhos são os atingidos pelo sofrimento causado pelo elemento marinho. A repetição do determinante interrogativo, em posição anafórica, nos dois últimos versos acentua o dramatismo das situações narradas. Foi sobretudo nos núcleos familiares que se fizeram sentir os malefícios do mar. Ressalte-se o valor expressivo da metáfora inicial “ Por te cruzarmos”, apontando para a cruz símbolo de sofrimento. Os verbos choraram, rezaram, e ficaram por casar ainda por cima reforçado pela expressão “em vão” denotam a dor, o sofrimento e o choro aflito provocados pela destruição do amor maternal, filial e de namorados. Tudo isto porque almejamos a posse do mar “ para que fosses nosso, ó mar!”
A segunda parte inicia-se com dois versos de teor axiomático, possibilitando um balanço que para o sujeito poético é positivo, apesar de todos os sacrifícios. Basta para tal que o objectivo que esteja na base da empresa seja nobre. Note-se a reiteração de valeu...vale e mais adiante passar...passar... reforçando a relação necessária entre o sofrimento e o heroísmo. A própria interrogação retórica funciona como uma chamada de atenção para as contrapartidas que o povo português alcançara do destino. A resposta à questão que levantou o sujeito poético obtém a resposta nele mesmo, através de três frases, todas elas carregadas de grande simbolismo. A primeira resposta “ Tudo vale a pena se a alma não é pequena” sugere a grandeza da alma humana, sempre pronta a desejar o impossível, o que pode proporcionar a glória, a heroicidade. Tudo vale a pena para alcançar o ideal sonhado. Na segunda frase “ Quem quer passar além do Bojador / tem que passar além da dor”, deve entender-se Bojador na sua dimensão simbólica, de ultrapassar o medo, ultrapassar o desconhecido, conseguir a glória e a heroicidade desejada. Não obstante é necessário ultrapassar também em primeiro lugar a dor. Finalmente a terceira frase “ Deus ao mar o perigo e o abismo deu / mas nele é que espelhou o céu”. O perigo e o abismo do mar são a causa de sofrimentos, mas no sentido metafórico e simbólico que está para lá do denotativo de o céu se reflectir no mar, está a ideia de que o céu é símbolo do sonho realizado, da glória. Daqui poderemos deduzir que quem vencer os perigos do mar e o sofrimento alcançará a glória suprema. Nas frases enunciadas constatamos sempre a existência de dois elementos antitéticos “ pena”, “dor”, “perigo” e “tudo vale a pena”, “passar além da dor”, “passar além do Bojador” e “céu”. É interessante verificarmos que não existem conjunções a ligar estas frases e que a primeira tem sentido universal, sendo que a segunda particulariza o sentido ao caso português, e por último, parecendo a frase de sentido universal, ela liga-se à exclamação que introduz o poema, é para o mar português que se aponta, para a tragédia e glória de Portugal. Daqui resulta sobretudo a dimensão épica do poema. Este texto aproxima-se do episódio de Camões “ O Velho do Restelo”, mas desaparece a crítica aos Descobrimentos acentuando-se sobretudo o tom laudatório em Pessoa.
Ao longo do poema predominam os tempos do perfeito para evocar acontecimentos passados trágicos e o presente que situa o sujeito poético num tempo presente, considerando os valores morais fundamentais à construção de heróis, bravura, tenacidade e desejo de vencer.

"O Mostrengo"
Trata-se de um poema da segunda parte – Mar Português – da Mensagem- colectânea de poemas de Fernando Pessoa, escrita entre 1913 e 1934, data da sua publicação. Esta obra contém poesia de índole épico-lírica participando assim das características deste dois géneros. Relativamente à sua matriz épica devemos destacar o tom de exaltação heróica que percorre esta obra; a evocação dos perigos e dos desastres bem como a matéria histórica ali apresentada. No atinente à sua dimensão lírica, podemos destacar a forma fragmentária da obra, o tom menor, a interiorização da matéria épica, através da qual sujeito poético se exprime.
Nesta segunda parte da obra que nos propomos analisar abordam-se o esforço heróico na luta contra o Mar e a ânsia do Desconhecido. Aqui merecem especial atenção os navegadores que percorreram o mar em busca da imortalidade, cumprindo um dever individual e pátrio (realização terrestre de uma missão transcendente)
Em termos formais, constatamos que o poema é constituído por três estrofes, de nove versos (nonas). Quanto ao metro os versos são irregulares. Os versos predominantes são decassilábicos, havendo no entanto também a presença de hexassílabos, octossílabos e eneassílabos. Predomina o ritmo ternário, conferindo ao poema o tom alto e sublimado próprio do poema épico. A rima é emparelhada e cruzada, segundo o esquema aabaacdcd. Verifica-se a presença de um verso solto, que é aquele que transporta em si um grande simbolismo pela referência às três vezes. Merecem ainda destaque neste campo as sonoridades que na sua maioria são onomatopaicas, possibilitando a existência de grande harmonia imitativa. As consoantes fricativas /v/, /z/ e /ch/, imitam o som do voar do mostrengo. Além disso a abundância de sons nasais e fechados, bem como da consoante vibrante /r/ contribuem para o estilo característico da epopeia. Esta predominância dá ao poema uma ressonância sombria e pesada, confirmando o tom dramático que o caracteriza.
O tema desta composição poética pode dizer-se que é a coragem do povo português diante das adversidades do mar.
Chegados ao cabo das Tormentas, os portugueses encontram o Mostrengo destinado a atemorizá-los para que desistam da sua viagem. Porém, o homem do leme faz-lhe frente, neutralizando-o pela imposição da vontade de um povo que não abdica da sua missão.
O título do poema Mostrengo é uma palavra derivada por sufixação “ monstro + sufixo de valor lexical pejorativo (mulherengo). Significa portanto pessoa muito feia; pessoa desajeitada, ociosa ou inútil; estafermo.
O sujeito poético começa por nos apresentar o mostrengo numa espécie de introdução. O mostrengo surge assim logo rodeado de mistério, pois localiza-se «no fim do mar» (noite escura). O mistério está também na expressão «três vezes» (que se repete sete vezes ao longo do poema). O número três está relacionado com as ciências ocultas, é um número cabalístico, é um triângulo sagrado, presente em muitas religiões, como a tríade da religião egípcia, a tríade capitolina (em Roma), a tríade dos cristãos (Santíssima Trindade). Fiquemo-nos pela versão que considera o número três como símbolo da perfeição, da unidade, da totalidade a que nada pode ser acrescentado. A simbologia deste e de outros números contribui para lhe conferir um sentido oculto e esotérico. De notar que a expressão referida aparece três vezes em lugar de destaque, no fim do terceiro verso de cada estrofe, que são três e que têm cada uma nove versos (múltiplo de três e aparece três vezes o refrão «El Rei D. João Segundo» que tem seis sílabas (múltiplo de três).
O mostrengo é caracterizado de forma indirecta nesta primeira estrofe. São as suas acções que se descrevem: realiza movimentos circulares intimidadores e sitiantes à volta da nau, e as suas palavras são ameaçadoras – vive numa “cavernas” que ninguém conhece de “tectos negros do fim do mundo” e “escorre” “os medos do mar sem fundo”. Estas últimas expressões estão também carregadas de mistério-terror. A dinâmica agressiva do texto é ainda sugerida pela abundância de formas verbais que traduzem movimentos incontroláveis, violentos, de terror: «ergueu-se a voar», «voou três vezes a chiar», «ousou», «tremendo». Para que a descrição deste ambiente de terror contribui a linguagem visualista, fazendo apelo às sensações visuais e auditivas sobretudo. «noite de breu», «tectos negros». É também impressionista a linguagem que nos dá a localização espácio-temporal da situação «à roda da nau», «no fim do mar», «nas minhas cavernas», «meus tectos negros do fim do mundo». A emoção dramática está patente nesta primeira estrofe através não apenas dos aspectos já mencionados, mas também através da expressividade das metáforas e até imagens contidas em «nas minhas cavernas», «meus tectos negros do fim do mundo». Estas traduzem o mistério impenetrável de qualquer coisa medonha. A emotividade desta primeira estrofe é transmitida quer pela interrogativa do mostrengo quer pela exclamativa do marinheiro. É interessante notar a fusão de várias funções da linguagem na interrogação do mostrengo (emotiva, fática e imperativa). O refrão que aparece repetido em todas as estrofes e que aparece no último verso de cada uma delas acentua a ligação do marinheiro à vontade de El Rei, constitui além disso uma espécie de coro, de voz secreta do destino a incitar o marinheiro a cumprir a sua missão. Nesta primeira estrofe o Mostrengo aparece personificado (voa, chia, ameaça) funciona como símbolo dos perigos e ameaças do mar tenebroso. Esta primeira estrofe é um discurso a três vozes: a do sujeito poético que introduz a figura do Mostrengo, a dos próprio Mostrengo e a do marinheiro. Nesta estrofe a reacção deste marinheiro caracteriza-se pelo medo «tremendo». Assustado e intimidado quer pelas palavras do mostrengo, quer pelo ambiente sinistro que o circunda, responde apenas com uma frase invocando a autoridade de que foi investido.
Na segunda estrofe o discurso narrativo do sujeito de enunciação é relegado, aparecendo intercalado no discurso directo do mostrengo. A irascibilidade do Mostrengo vai crescendo. A emotividade agressiva acentua-se nesta estrofe pelas interrogativas. Mais uma vez se deve salientar a linguagem visualista «as quilhas que vejo e ouço» «nas trevas do fim do mundo». A agressividade continua a ser traduzida por formas verbais que traduzem movimentos incontroláveis, violentos e de terror «roço», «rodou», «tremeu». Mais uma vez também a localização espácio-temporal recorre a uma linguagem impressionista «onde nunca ninguém me visse» e «mar sem fundo». Também aqui o ambiente de emoção e terror se centra nas atitudes do mostrengo «rodou três vezes», «três vezes rodou imundo e grosso, e «escorro os medos do mar sem fundo.» Este verso contém também uma metáfora imagem bastante expressiva que aponta para a permanência do terror, uma espécie de fonte inesgotável de medo (note-se o aspecto durativo do verbo escorro. Outro recurso estilístico que merece destaque ao nível morfossintáctico é a anáfora nos dois primeiros versos, acentua a procura do mostrengo do responsável pelo seu desassossego. À gradação crescente da irascibilidade do mostrengo corresponde a resposta do marinheiro que já treme primeiro e depois fala. Há um crescendo na coragem e valentia do homem do leme. Nesta estrofe aparecem dois dos três adjectivos que aparecem no poema com o objectivo de caracterizarem o mostrengo «imundo e grosso».
Na terceira estrofe esta coragem atingirá o seu clímax neutralizando o mostrengo. O drama da divisão entre o medo e a coragem vive-se no íntimo do marinheiro. Com efeito, as atitudes contraditórias de prender e desprender as mãos do leme, tremer e deixar de tremer revelam ainda alguma insegurança e um estado de dúvida que lhe provoca a divisão entre a coragem e o terror. O terror advinha do mostrengo a coragem da missão que lhe fora confiada e lhe vinha do alto. Chega finalmente a resposta segura e inabalável. Ele representa o povo português e nele manda mais a vontade de El Rei do que o terror incutido pelo Mostrengo. A forma verbal ata de aspecto durativo sugere a missão inabalável do marinheiro, ligado fatalmente è vontade de D. João II. A evolução que se verificou em relação ao homem do leme é ascendente, prevendo-se a evolução contrária do mostrengo que é neutralizado pela última resposta do homem do leme. O predomínio do presente do indicativo nas falas do homem do leme por oposição ao pretérito perfeito da narração confere às falas do marinheiro e do mostrengo maior vivacidade e força, até para o valor universal e para o tom épico da última fala daquele. Volta a aparecer nesta última estrofe nos dois primeiros versos a anáfora associada ao simbolismo do número três. Também o Mostrengo e o homem do leme são figuras simbólicas, como já nos apercebemos. Em síntese o Mostrengo simboliza os medos dos navegadores que enfrentam o desconhecido e o homem do leme é a figura do herói mítico, símbolo de um povo, e que, portanto, passa de herói individual a colectivo, com uma missão a cumprir.


SÍNTESE
Os Lusíadas e Mensagem

• Os Lusíadas e Mensagem cantam, em perspectivas diferentes, a grandeza de Portugal e o sentimento português.

• Nas duas primeiras partes da Mensagem é possível um diálogo com Os Lusíadas; em O Encoberto, Pessoa situa-se no momento em que o Império Português parece desmoronar-se por completo e, assume, então, o cargo de anunciador de um novo ciclo que se anuncia, o Quinto Império, que não precisa de ser material, mas civilizacional.

• Os Lusíadas são uma narrativa épica, que faz uma leitura mítica da História de Portugal. Em estilo elevado, canta uma acção heróica passada e analisa os acontecimentos futuros, cuja visão os deuses são capazes de antecipar.

• Fernando Pessoa, no poema épico-lírico, canta, de forma fragmentária e numa atitude introspectiva, o império territorial, mas retrata o Portugal que “falta cumprir-se”, que se encontra em declínio a necessitar de uma nova força anímica.

• Camões, n’ Os Lusíadas, propõe o povo português como sujeito da acção heróica.

• Camões inicia Os Lusíadas com “As armas e os barões assinalados”, mostrando que os nautas foram escolhidos para alargarem “a Fé e o Império”.

• Camões procura perpetuar a memória de todos os heróis que construíram o Império Português; Fernando Pessoa descobre a predestinação desses heróis, para encontrar um novo heroísmo que exige grandeza de alma e capacidade de sonhar, quando o mesmo Império se mostra moribundo.

• Os nautas, incluindo Vasco da Gama, são símbolo do heroísmo lusíada, do seu espírito de aventura e da capacidade de vivência cosmopolita.

• Em Os Lusíadas, Camões conseguiu fazer a síntese entre o mundo pagão e o mundo cristão; na Mensagem, Pessoa procura a harmonia entre o mundo pagão, o mundo cristão e o mundo esotérico (do ocultismo).

• Fernando Pessoa, na Mensagem, procura anunciar um novo império civilizacional. O “intenso sofrimento patriótico” leva-o a antever um império que se encontra para além do material.

• Estrutura tripartida da Mensagem:
— Nascimento
—Vida
— Morte/renascimento

• Os 44 poemas que constituem a Mensagem encontram-se agrupados em três partes:
— Primeira Parte — Brasão (os construtores do Império)
A primeira parte — Brasão — corresponde ao nascimento, com referência aos mitos e figuras históricas até D. Sebastião, identificadas nos elementos dos brasões. Dá-nos conta do Portugal erguido pelo esforço dos heróis e destinado a grandes feitos.

— Segunda Parte — Mar Português (o sonho marítimo e a obra das descobertas)

Na segunda parte — Mar Português — surge a realização e a vida; refere personalidades e acontecimentos dos Descobrimentos que exigiram uma luta contra o desconhecido e os elementos naturais. Mas, porque “tudo vale a pena”, a missão foi cumprida.

— Terceira Parte — O Encoberto (a imagem do Império moribundo, a fé de que a morte contenha em si o gérmen da ressurreição, capaz de provocar o nascimento do império espiritual, moral e civilizacional. A esperança do Quinto Império)

Na terceira parte — O Encoberto — aparece a desintegração, havendo, por isso, um presente de sofrimento e de mágoa, pois “falta cumprir-se Portugal”. É preciso acontecer a regeneração, que será anunciada por símbolos e avisos.

Ÿ Mensagem recorre ao ocultismo para criar o herói — O Encoberto — que se apresenta como D. Sebastião. Note-se que o ocultismo remete para um sentimento de mistério, indecifrável para a maioria dos mortais. Daí que só o detentor do privilégio esotérico (= oculto/secreto) se encontra legitimado para realizar o sonho do Quinto Império.

Ÿ Ocultismo:
— Três espaços, o histórico, o mítico e o místico;
— “A ordem espiritual no homem, no universo e em Deus”;
— Poder, inteligência e amor na figura de D. Sebastião.

Ÿ A conquista do mar não foi suficiente (o império material desfez-se, ou seja, a missão ainda não foi cumprida): falta concretizar este novo sonho— um império espiritual...

Ÿ A construção do futuro (a revolução cultural) tem que ter em conta o presente e deve aproveitar as lições do passado, fundamentando-se nas nossas ancestrais tradições.

Ÿ A atitude heróica é importante para a aproximação a Deus, mas o herói não pode esquecer que o poder baseado na justiça, na lealdade, na coragem e no respeito é mais valioso do que o poder exercido violentamente pelo conquistador — a opção clara pelo poder espiritual, pelo poder moral, pelos valores, …

Ÿ Em Mensagem surgem diversos mitos, nomeadamente o do Sebastianismo e o do Quinto Império. Ë possível também perceber outros mitos como o do Santo Graal (“Galaaz com pátria” era o Desejado, capaz de permitir o retorno do Graal, o símbolo da união e harmonia entre os povos), o das Ilhas Afortunadas (de “terras sem ter lugar”, como o Quinto Império), e o do Encoberto (dentro da mística rosacruciana em cujos princípios se deveria basear o Quinto Império). A concepção mítica leva, também, Pessoa a usar figuras como Ulisses e o Mostrengo, que o ajudam a explicar o passado dos Portugueses e a fazer a apologia da sua missão profética.

Ÿ Em Mensagem a voz narrativa da épica tradicional dá, constantemente, lugar à voz lírica, num discurso analítico-crítico, que reflecte sobre o passado heróico de conquistas, vibrando com o espírito do povo português, e expressa a visão e as emoções do “Eu” face ao acontecer histórico, muitas vezes num tom profético. Os poemas, em geral breves, apresentam uma linguagem metafórica e musical, bastante sugestiva, com frases curtas, apelativas e, frequentemente, aforísticas, onde abundam a pontuação expressiva e as perguntas retóricas

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